Conhecendo o LCA
O ligamento cruzado anterior (LCA) consiste de um conjunto de fibras de colágeno e tecido conectivo que conecta a superfície posterior e medial do côndilo femoral lateral à área tibial da região lateral e posterior ao corno anterior do menisco medial (Ferretti 2007). Dessa maneira, segue um trajeto obliquo de póstero-lateral-proximal para Antero-medial-distal, característica que, mais que nomeá-lo, justifica cinematicamente suas atribuições no joelho sadio. Assim, primariamente coíbe a relativa translação anterior da tíbia em relação ao fêmur, sendo responsável por mais de 90% desta estabilização em uma flexão entre 70 e 90 graus, tendo a função secundária de restringir as rotações tibiais (Insall 2006).
De fato, acredita-se que o LCA inicia sua formação na oitava semana de vida fetal, estando perfeitamente identificável já na décima quarta semana. Sua apresentação repartida em duas bandas, por outro lado, será observada somente na décima sétima semana (Ferretti 2007), quando será apresentada a banda Antero-medial, maior e mais vertical, e a banda Póstero-Lateral, de dimensões menores, porém mais horizontalizado no fêmur, gerando restrição de um ponto de vista rotacional. A despeito da nomenclatura ter sido concedida segundo as inserções distais de cada uma das bandas, estas posições repetem-se na inserção proximal, explicando a estabilidade ântero-posterior em menores graus de flexão oriunda da banda postero-lateral, estando ambas, entretanto, posteriores à Crista intercondilar Lateral.
Epidemiologia e Mecanismo de Trauma
O Brasil é um nicho típico no qual a lesão do Ligamento Cruzado Anterior se torna endêmica. Isso, não apenas pela maneira que os meninos, ainda em idade juvenil, são impelidos à pratica do futebol, mas pela característica deste esporte como aqui é praticado; por sua vez, as meninas engajam-se no handball ou basquete, completando, aliada à idéia de pratica esportiva como recreativa e não atlética, a epidemiologia favorável à lesão deste ligamento. Em geral os indivíduos do sexo feminino têm maior propensão à este tipo de lesão, embora seja muito mais comum no sexo masculino, provavelmente resultado da maior demanda esportiva e recreativa do segundo grupo em relação ao primeiro. Os esportes supracitados, que operam com mudanças rápidas de direção e movimentos rotacionais nos primeiros graus de flexão, são os mais associados à patologia, com menção necessária ao incremento observado na prática clínica de lesões em lutadores, certamente fruto da popularização deste tipo de esporte.
O mecanismo de trauma mais comum que encerra a continuidade das fibras cruzadas é o stress em valgo com rotação externa da tíbia em relação ao fêmur nos primeiros graus de flexão. À menção desta manobra idiossincrásica deve-se considerar imediatamente a lesão deste ligamento, não negligenciando, contudo, demais estruturas que estarão sujeitas a estresse simultaneamente, como o Ligamento Colateral Medial e os Meniscos.
Diagnóstico
O diagnóstico da lesão do LCA é feito pela história clínica que envolve o mecanismo de lesão envolvido no trauma e pelo exame físico detalhado .O exame físico na fase aguda é difícil de ser realizado mas deve compreender o teste de Lachman ,que representa o teste mais sensível para o diagnóstico ..Na fase inicial ao exame físico observamos edema intenso no joelho além da diminuição do arco de movimento .Além do exame físico e história clínica podemos solicitar exames de imagens no Pronto Atendimento que pode nos auxiliar nas lesões por avulsão do LCA .O diagnóstico da lesão do LCA é clínico,mas ambulatorialmente podemos solicitar a ressonância nuclear magnética que nos auxilia no diagnóstico das lesões associadas como as lesões meniscais,condrias e edemas ósseos.
Tratamento
Na fase aguda é importante diminuir o processo inflamatório do joelho com o protocolo(PRICE) que consiste em proteger o joelho com muletas ,crioterapia e medicação analgésica .Além de proporcionar alívio da dor é importante dar início ao trabalho de reabilitação funcional para ganho de mobilidade articular e fortalecimento muscular .Geralmente este tratamento inicial dura por volta de duas a três semanas até que o paciente em conjunto com a equipe médica decidam qual deve ser o melhor tratamento a ser seguido. O foco atual de discussão é qual seria a melhor terapêutica a ser instituída. O tratamento não cirúrgico ainda é adotado, principalmente, em casos selecionados ou naqueles pacientes que admitem substituição ou parada da atividade esportiva. Embora o tratamento não cirúrgico seja utilizado, a técnica cirúrgica de reconstrução ligamentar é o tratamento de eleição na instabilidade anterior do joelho em pacientes jovens, restando dúvidas sobre a escolha do enxerto a ser utilizado.
Aos poucos são estudadas técnicas de reconstrução ligamentar extra-articular, extra e intra-articular combinadas e, atualmente, as técnicas exclusivamente intra-articulares como tratamento de escolha na reconstrução do LCA
Quanto ao substituto do LCA, os auto-enxertos são a primeira opção na reconstrução ligamentar, sendo que entre os mais utilizados estão o ligamento patelar (LP), os tendões flexores dos músculos semitendíneo e grácil (STG), e o tendão do músculo quadricipital.
Desde 1963,JONES utiliza o terço central do LP como enxerto para a reconstrução ligamentar do LCA, seguido por outros cirurgiões do joelho que adotaram-no como escolha.
Embora o LP seja considerado o “padrão ouro” para substituir o LCA, observam-se complicações na região doadora e estéticas, que faz pensar em outras alternativas para minimizar estes efeitos negativos.
Como alternativa de tratamento cirúrgico e aperfeiçoamento das técnicas de fixação, os tendões dos músculos flexores do joelho destacam-se. O tendão do músculo semitendíneo é utilizado de forma dupla e associado ao tendão do músculo grácil, formando uma estrutura quádrupla sendo a mais utilizada nos dias atuais, com resultados semelhantes aos do LP e com menos complicações relacionadas à área doadora.
Entretanto, mesmo com o aprimoramento das técnicas e com a contínua melhoria dos resultados cirúrgicos, ainda não existe o substituto ideal para o LCA
Discute-se nos dias atuais, qual seria a técnica mais adequada para a reconstrução.
Por sua vez, o as reconstruções podem ser divididas em anatômicas ou isométricas de acordo com a posição dos túneis, sendo as primeiras ainda subclassificadas em “banda única” e “dupla banda”. Assim, uma reconstrução isométrica não submeterá a posição dos túneis às inserções originais do ligamento que está sendo reconstruído, fabricando o túnel femoral pela técnica transtibial (portanto vinculando o túnel do fêmur ao da tíbia previamente realizado) e numa posição que varia entre 10h30’ e 11h30’ (joelho direito), sempre à 2mm da cortical posterior do fêmur. Ainda neste tipo de reconstrução, o túnel tibial ficará levemente mais posterior que a inserção anatômica do ligamento, afim de evitar o contato do neo-ligamento com o teto do intercôndilo na extensão completa e suas consequências.
A evolução da técnica cirúrgica, da metodologia científica e da demanda esportiva, convergiram para a evolução do tratamento cirúrgico do LCA, modificando o objetivo cirúrgico, antes obter um joelho estável, agora obter um joelho normal, ou o mais próximo possível dele. Observou-se que a isometria pecava na obtenção de estabilidade rotacional e desenhou-se as reconstruções anatômicas afim de reduzir o pivot residual apresentado por cerca de um quinto dos pacientes operados. Destarte, posicionar o neo-ligamento na posição original do ligamento lesado é o escopo das técnicas anatômicas, as quais podem, ainda, reconstituir as duas bandas originais, Antero-Lateral e Póstero-Medial, através de duplos túneis tibiais e femorais nas respectivas posições, na chamada Reconstrução por Dupla-Banda, ou mesmo posicionar os túneis nos centros das inserções femorais e tibiais de cada uma das bandas, na chamada reconstrução em Banda Simples.
A literatura é vasta em comparar ambas as reconstruções anatômicas com a clássica reconstrução isométrica, revelando tanto similaridade quanto à obtenção de bons resultados como preeminência da primeira no resultado do pivot e dos testes de rotação. Quando compara-se as técnicas anatômicas entre si, todavia, a maior parte da literatura medica falha em comprovar diferença em qualquer parâmetro, embora isso seja texto controverso (Debieux 2012). Uma vez que desenvolveu-se técnicas que reduziram os custos de fixação da dupla-banda (Carneiro-RBO), a opção por um ou outro tipo de cirurgia passa a ser inerentemente pessoal, a cargo do cirurgião, já que, a despeito dos custos, a exigência técnica não pôde ser amenizada.
Não obstante, ao avaliar o status pós operatório de uma reconstrução do LCA, um método objetivo de verificar a posição dos túneis, sobretudo o femoral, cujo impacto é mais relevante no resultado, deve ser utilizado, sobretudo quando planeja-se uma cirurgia de revisão. Neste contesto, foi elaborado, por meio de tomografias, um sistema classificatório para o túnel femoral (magnussen-2012). Assim, um túnel Tipo 1 estará completamente posterior e abaixo (do ponto de vista artroscópico) da Crista Intercondilar Lateral, proeminência óssea que marca o limite anterior da inserção femoral do LCA. Esta é a posição considerada anatômica em uma avaliação empírica. O Tipo 2 será um túnel que irá interceptar a crista intercondilar lateral em algum ponto, podendo ainda subclassificar-se em Vertical ou Anterior de acordo com a posição deste cruzamento, e o Tipo 3 estará completamente anterior e/ou superior à esta referencia.