Por que o joelho dá tanto problema?
A articulação do joelho tem algumas peculiaridades. Além de ser uma articulação “de carga” como dizemos popularmente, assim como quadril e tornozelos, o joelho tem características anatômicas que a diferenciam das demais. Em primeiro lugar, podemos dizer que há “duas articulações” dentro do joelho com características muito diferentes e algumas vezes até opostas. Uma é a articulação patelo-femoral e a outra é a tíbio-femoral. Mais precisamente podemos dizer que o joelho tem 3 compartimentos, o lateral, o medial e o anterior (patelo-femoral), que funcionalmente e anatomicamente apresentam muitas diferenças e cada um deles deve estar adaptado ao tipo de esforço que a pessoa executa diariamente, seja no trabalho, laser ou atividades esportivas em geral. Em segundo lugar, o joelho, diferente de quadril e tornozelo por exemplo, é uma articulação com baixa “congruência intrínseca”, isso é, que não encaixa muito bem. Assim, se torna muito dependente de suas estruturas periféricas, músculos e ligamentos para seu funcionamento. Qualquer desbalanço nestas estruturas acarreta excesso de carga em uma determinada região, que, por sua vez, gerará dor. Outra particularidade é que muitos dos músculos que atravessam essa articulação são o que chamamos de “músculos biarticulados”, ou seja, que atravessam mais de uma articulação. Este fato é vital já que a articulação do joelho sofrerá interferência direta das articulações do quadril e tornozelo, além da própria coluna lombar. Assim, para o tratamento de dor no joelho, muitas vezes temos que tratar desequilíbrios musculares em outras regiões e sempre temos que analisar o paciente de maneira integral.
Quais são as doenças mais comuns no joelho?
A frequência de cada doença varia conforme a idade e atividade dos pacientes. Em paciente jovens, principalmente mulheres (mas não é incomum em homens também), sedentários ou com atividade esportiva bem específica (como futebol ou corrida de rua), a patologia mais frequente é sem dúvida a condropatia patelar (também chamada de condromalácia, síndrome patelo-femoral ou dor anterior no joelho). Em paciente esportivos (principalmente futebol, handball e basquete), vítimas trauma (entorse) no joelho a ocorrência mais frequente é de lesões ligamentares e meniscias, sendo a mais comum a lesão do ligamento colateral medial e em seguida do ligamento cruzado anterior. Em pacientes de mais idade, a osteoatrose é a ocorrência mais comum, havendo uma prevalência de cerca de 65% em paciente maiores de 60 anos. As tendinites são mais comuns em pacientes que exercem atividades de maior demanda ou de maneira muito frequente (repetitiva), seja laborativamente (trabalhos pesados) ou esportivamente (academia, jump, step, escadas). Os tendões mais acometidos são a pata de ganso (junção entre os tendões dos músculos grácil, sartorio e semitendineo), o tendão patelar e o tendão quadricipital.
A osteoartrose é uma doença em que há forte predisposição genética. Porém, como a maior parte deste tipo de patologia, fatores ambientais se juntam a esta predisposição para resultar na doença. Assim, obesidade, desvios de eixo (joelho “torto” em valgo ou varo), traumas, excesso de carga, lesões de cartilagem, cirurgias, lesões ligamentares, fraturas, são todos fatores que se aliam à genética para influenciar o desenvolvimento de artrose. Quanto às demais patologias, a herança genética ainda não está bem documentada. Inclusive na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) lidero um grupo de jovens pesquisadores que veem procurando associar lesões ligamentares, meniscais e femoro-patelares à carga genética do indivíduo, em um projeto pioneiro no mundo.
Artrose ou artríte?
Popularmente dizemos que artrose é um processo degenerativo, como um desgaste da articulação enquanto artrite é um processo inflamatório da articulação. Sob esta ótica, um processo artrítico se caracterizaria por um joelho que, além de doloroso, ficaria quente (gradiente térmico), vermelho (hiperemia), e inchado (edema).
Este processo pode se relacionar à uma origem infecciosa (bactéria) ou não infecciosa (sinovites, artrite reumatoide, dentre outras), sendo que em um caso ou em outro os sintomas ocorrem de forma mais aguda e abrupta. O processo artrósico é um processo longo com dor de característica insidiosa, progressiva, com fases de melhora e piora. Claro que a artrose pode ter fazes de maior dor também e qualquer desequilíbrio articular levará há uma facilitação da instalação de um processo inflamatório. Talvez seja mais simples separar dessa maneira estes dois processos sindrômicos. No entanto, para efeitos acadêmicos, sabemos que o desgaste da cartilagem proveniente da artrose origina-se de um processo que bioquimicamente pouco se difere da inflamação. Analogamente, as doenças artríticas são conhecidos facilitadores da degeneração (desgaste) articular. Dessa maneira, em ambiente científico, é comum usar-se o termo artrítico ou artrite como sinônimo de artrósico ou artrose.
O que é a cartilagem?
A cartilagem é uma estrutura extremamente lisa, ou seja, com baixo coeficiente de atrito, afim de possibilitar a execução de movimentos com o mínimo gasto de energia, avascular e aneural (sem vasos ou nervos), para permitir a realização dos movimentos sem dor. Assim, ela funciona como uma “casca” que protege o osso, esse sim ricamente vascularizado e inervado, sendo, portanto, extremamente doloroso. Essas próprias características da cartilagem, fundamentais para sua função, impossibilitam que a mesma tenha qualquer capacidade regenerativa. Onde não há vasos, não há possibilidade de cicatrização. Desde os tempos de Hipócrates sabe-se que “a cartilagem uma vez lesada, não se regenera”, e este tem sido um desafio para a medicina em geral há muitos anos.